Na década de 60 a sede da Rede Ferroviária do Nordeste era em Recife, mas estava em Maceió o movimento sindical mais atuante.
Tão atuante que o Sindicato dos Ferroviários de Alagoas, do qual meu pai, o Tenório, era secretário, lançou o jornal A Voz do Ferroviário do Nordeste, de circulação regional.
Meu pai editava o jornal juntamente com o hoje procurador de Justiça Luciano Chagas – que a época era estudante e adolescente, filho do seu Claudino, um dos diretores da Refesa no Estado.
O jornal teve repercussão e os laços com os demais colegas ferroviários se estreitaram; meu pai ficou amigo de um mecânico da oficina da Refesa em Jaboatão-PE, que era conhecido como Jota Jota.
Soube depois que aquele sujeito moreno, magro e tabagista era filiado ao Partidão (Partido Comunista Brasileiro). O Jota Jota era uma figura bem humorada.
Meu pai também era ator e participava da peça que o falecido professor Coelho Neto promoveu, em prol da Federação Espírita de Alagoas. Entre os personagens da peça tinha um padre.
Na eleição majoritária em 1960, o Jota Jota apareceu lá em casa pedindo que meu pai emprestasse a batina, porque o Miguel Arraes, que era candidato a governador de Pernambuco, ia fazer um comício em São José do Egito e lá o padre fazia oposição a Arraes. Meu pai arranjou a batina.
O comunista Jota Jota vestiu a batina e subiu no palanque de Miguel Arraes, com direito a homilia política. Fez um discurso inflamado contra os reacionários para alfinetar o pároco local. Foi o maior sucesso.
O que o Jota Jota nunca soube é que a batina que meu pai arranjou era de verdade; não era a batina do personagem da peça do professor Coelho Neto.
Deu-se o seguinte: como meu pai não podia desfalcar o figurino da peça, então apelou para o sobrinho, o jornalista Ailton Villanova, meu primo-irmão, que na época também era adolescente e integrava a JOC – Juventude Operária Católica – lá no bairro do Bom Parto, onde morávamos.
Além de pertencer à JOC, o Ailton era afilhado do padre Brandão Lima e o convenceu a emprestar a batina. O padre Brandão Lima tinha várias batinas, e aquela que emprestou poderia ir ao distante São José do Egito, no alto Sertão pernambucano, sem lhe fazer falta.
E assim, o comunista Jota Jota vestiu a batina que era do padre Brandão Lima pensando que era a batina do personagem da peça teatral que meu pai encenou em benefício da Federação Espírita.
Tempo bom aquele; sem dúvida, porque os comunistas daquele tempo eram de verdade.