Marina Silva está sofrendo com a sua declaração de que não levantaria bandeira do movimento homossexual, aquela coloridinha, com as cores do arco-íris. Veja o que a Folha disse:

“Ao comentar a polêmica, Marina disse: "Não vou levantar a bandeira (arco-íris), assim como não faço como os demais movimentos. Não costumo fazer esse tipo de coisa." Marina afirmou fazer o mesmo com o MST (Movimento dos Sem-Terra) apesar de se considerar aliada do movimento”.

O problema é que Marina Silva é evangélica e isso levaria ao entendimento de que ela seria contra os homossexuais. Ela mesma explicou a situação:

“Quem conhece a minha história e convive comigo sabe que respeito as diferenças e sou defensora da tolerância. Acredito que são posturas essenciais para a construção da ética democrática. Minha voz e meus atos nunca manifestaram ou manifestarão, portanto, qualquer tipo de rejeição a qualquer movimento legitimado por aquilo que costumo chamar de forças vivas da sociedade. Sempre que me perguntam sobre o que penso a respeito do movimento LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros), seus direitos e sua luta por leis que os protejam de discriminação, digo que reconheço a legitimidade do movimento e de suas reivindicações”.

Nada a repreender. Tudo que ela está dizendo é que, para ser tolerante, não é necessário abraçar a causa do “movimento”. Marina é vítima de uma leitura multiculturalista ou comunitarista da sociedade. Vejam como o multiculturalismo causa mal ao entendimento. Se você não levantar a bandeira do movimento, você é automaticamente contra tal movimento.

Esse é o raciocínio dos comunitaristas. Para eles, a sociedade é dividida em grupos que lutam por reconhecimento. Tolerância, portanto, é pouco. Inclusão é um conceito hegemônico. Tolerância e inclusão, termos ligados ao liberalismo, são insuficientes, pois levariam a o entendimento de que todos deveriam ser tratados como iguais. Isso não basta ao comunitarismo. Se a sociedade se divide em grupos, tais grupos são determinantes para a constituição da identidade e, nesse sentido, toda prática política deve levar em conta as especificidades de cada grupo.

O problema é que cada grupo demandaria para si as atenções das políticas públicas e isso, obviamente, levaria à disputa entre os próprios grupos. É o que vemos hoje com as questões raciais, em que vários grupos étnicos lutam para obter vantagens do Estado, seja em forma de cotas ou em forma de verbas para quilombolas e tribos indígenas.

É uma teoria social problemática exatamente porque abandona o pressuposto liberal da tolerância em favor da idéia de que existem grupos com identidades inatas que lutam por reconhecimento. Mas, na verdade, tais grupos são criados exatamente com o intuito de se obter vantagens políticas e um lugar cativo para suas lideranças. Não têm surgimento autônomo.

Como toda teoria coletivista, o comunitarismo leva ao esvaziamento da proteção fundamental ao indivíduo e permite que eles sejam desconsiderados em favor de grupos abstratamente construídos. Assim se justifica que o indivíduo só seja levado em conta como parte de um grupo, mesmo que ele não queira. Sem contar os problemas de um relativismo ético, que poderiam tratar valores nefastos como mera expressão de uma cultura.

Nesse sentido, o discurso liberal de Marina Silva é muito mais brasileiro e tem tudo a ver com sua origem mestiça. Aliás, são justamente os mestiços que mais perdem com esse novo tipo de segregação. Tolerância e inclusão ainda são as expressões determinantes para uma teoria liberal da sociedade, mesmo que estejamos falando de um liberalismo igualitário.

Membros de grupos vulneráveis querem direitos iguais e não vantagens sociais. Homossexuais querem ser tratados igualmente. Querem ter direito à união civil e à manifestação de sua identidade sexual. Não querem ter mais direitos do que ninguém. Membros que grupos vulneráveis querem é uma oportunidade de não fazer parte de um grupo vulnerável e manter suas práticas culturais sem ser importunados por ninguém. Tudo isso tem justificativa no pensamento exposto por Marina Silva.

E que se diga uma coisa. O amigo Bruno Lamenha, que me disponibilizou os artigos sobre Marina Silva, ainda mencionou que o próprio Serra gosta dessas ações afirmativas. Costuma implantar “políticas públicas específicas” para movimentos sociais. Isso só prova o que eu disse: Serra é de esquerda, o que é uma pena.

Concordo com Marina. Não precisamos divisão, mas de inclusão.