Agora passaremos por uma revolução na advocacia e no Judiciário alagoano. Quando eu já estava perdendo as esperanças, a corrupção no Judiciário começa a ser exposta e investigada. A casa caiu.
Desde quando cursava direito eu escutava os maiores absurdos ditos por alguns colegas de profissão. Pelo que ouvia no cotidiano da advocacia, parecia que a corrupção na Justiça alagoana era a coisa mais normal do mundo. Advogados falavam em compra de sentença como se estivessem comentando o BBB.
Não posso dizer que já presenciei a compra de uma sentença ou um ato de corrupção evidente. Mas posso dizer que durante o pouco tempo que passei na advocacia militante tive que dizer “não” muitas vezes. Tive que dizer “não” a advogados que queriam parcerias esdrúxulas para comprar sentenças. Tive que recusar pedidos de oficiais de justiça por uma “ajudinha” para diligências e pedidos de serventuários por presentinhos de fim de ano. Tive que abandonar clientes que queriam garantias de vitória judicial. Não estou falando de garantias legais, é claro. Queriam um serviço certo, e queriam pagar por isso. Como gosto de dormir bem à noite, nunca embarquei nessa.
Claro que muito do que os advogados falam sobre a Justiça é pura mentira. Muitos tentam parecer influentes e cobram de seus clientes sem ter nenhuma oferta por parte do magistrado. Esse tipo de advogado conta com a sorte. Ele tem 50% de chances de provar sua influência. E se perderem a causa, basta dizer que o outro lado pagou mais.
Mas muitos casos são evidência concreta de corrupção. Pergunte a qualquer advogado probo se ele não teve que passar pelo dissabor de ter do outro lado da demanda colegas que conseguem feitos processuais tão inéditos quanto passíveis de qualificação penal. Nesses casos, ou o juiz é muito burro ou muito corrupto. Como essa burrice só aparece em causas que envolvem grandes valores, eu fico com a segunda opção. Quantos advogados já tiveram que ver o direito de seu cliente perecer por causa de juízes corruptos que violam a lei da forma mais evidente e cara-de-pau? Quantas liminares para bloqueio de contas já foram concedidas sem qualquer fundamento? Por exemplo, aquelas liminares famosas que substituem garantias de dívida por títulos da época imperial ou por pedras preciosas que não valem nada. Essa realidade existe mesmo, não é lenda.
É muito triste ver corruptos enriquecendo com nosso suado dinheiro e juízes, que ganham bem para nos dar justiça, agirem como se o cargo fosse somente o exercício de poder arbitrário.
Sempre que surge um caso como esse eu me lembro de teorias políticas que descrevem o sistema de direito brasileiro como o de uma modernidade incompleta. Essa seria a característica do direito nos países ocidentais periféricos, que ainda não desenvolveram plenamente alguns pressupostos da democracia, entre os quais a separação entre o sistema jurídico e os demais sistemas sociais. Daí a corrupção sistêmica que toma conta do nosso Judiciário. Além do famoso “jeitinho brasileiro” que nos impede de aplicar o princípio constitucional da impessoalidade.
Claro que essas teorias têm aspecto descritivo, mas não gosto desse modelo de tratamento da sociedade periférica. Não acho que o fato de a corrupção estar tão entranhada no sistema judicial signifique a necessidade de uma teorização especial para a democracia no terceiro mundo. Ademais, toda teorização é também uma construção, uma narrativa auto-referente. Sendo assim, narrar a corrupção como uma característica de sociedades periféricas parece tratar com naturalidade esse “modelo”. Não podemos esquecer que o modelo de direito moderno ou democrático é algo já realizado em muitos ambientes públicos no nosso país. Ademais, quando casos de corrupção vêm à tona, fica evidente o quanto essas atitudes não são toleradas pelos brasileiros em geral.
Não precisamos nos contentar com teorias políticas para países subdesenvolvidos. Esse é o primeiro passo para defender que a democracia não serve para nós, que somos periféricos. Não precisamos aceitar que a cultura do “jeitinho” ou a corrupção sistêmica nos determine como modelo de modernidade capenga. Queremos e temos direito às teorias políticas que deram certo e, portanto, precisamos reconstruir essa narrativa sobre o Brasil e a tolerância à corrupção. Quero Locke e Weber. Quero mais modernidade e democracia.
Vejamos o caso de Alagoas. Quando tudo parecia perdido, eis que as entranhas do Judiciário estão expostas de forma patética. Essa realidade finalmente está mudando. Já era hora de ver que Alagoas sabe se indignar com esse tipo de atitude e cobrar das autoridades que investiguem esses casos. Não é possível tolerar com tamanha subserviência esse tipo de gente que, passando por cima de pressupostos básicos da democracia usam e abusam do sistema para seu completo favorecimento.
Como diz um grande amigo meu: “Um dia a casa cai”. E ela caiu.
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