Olá, pensadores!
Não é de hoje que músicas com duplo sentido fazem sucesso e estouram na mídia. Quem não se lembra da banda "Frutos Tropicais" que nos comedidos e "conservadores" anos 80 gravou a famosa "já chupou xibiu?" que até hoje se mantém viva na memória dos que, como eu, têm mais de 25 anos de vida.
O gênero – se é que assim podemos chamar – começou muito antes, na década de 1930, com as marchinhas de carnaval. "O teu cabelo não nega", de 1932, "Mamãe eu quero", de 1937, entre outras, ganharam espaço e agradaram a população por seu ritmo binário, melodia envolvente e por sua letra de forte apelo sensual ou cômico.
Genival Lacerda e sua "Severina xique-xique", também, demonstraram a boa receptividade do duplo sentido musical com o inesquecível refrão "ele tá de olho é na butique dela", de 1975. Depois dele, os sambas-enredo e demais estilos musicais, inclusive os menos populares, como o rock, utilizavam a ambiguidade das palavras para transmitir suas mensagens e brincar com a interpretação textual das canções.
Quando a Bahia descobriu o artifício foi uma verdadeira explosão de "sacanagens" camufladas. Das históricas letras das saudosas Banda Reflexus e Banda Mel e de outros cantores, fomos aos contaminantes e efervescentes "segura o tchan", "rala tcheca", "quem já chupou? Pirulitou!", "pega no compasso", "ela fez a cobra subir" e tantas outras. Essas, apesar do apelo mais direto, ainda guardavam a idéia do duplo sentido.
Entretanto, meus amigos, foi decretada a morte da brincadeira e do sentido ambíguo. Parece que a população vem ficando com sua capacidade de interpretação reduzida e as letras agora precisam ser explícitas. Diz-se na lata e o povo gosta. Nesse carnaval letras como "ralou a tcheca no chão, desceu com a mão no tabaco, perereca pra frente e pra trás, esfregou a xana todinha no asfalto" foram ouvidas, dançadas e ovacionadas. Onde está o sentido dúbio?
Num ritmo contagiante, versos como "vou te comer, vou te comer...", "relaxa na pica, relaxa na pica", "coca-cola espumante" e "rachadinha raspadinha" são as novas artes que tomam conta do cenário musical popular. Muitos se declararam "fiéis à putaria" e outro tanto vibrou toda vez que ouvia que "xóxó tá no chão". As canções não têm mais apelo sexual: são o próprio sexo ou o ato obsceno, falado e dançado.
O que temos de diferente das gerações que curtiram seus carnavais ao som de "criaram-se vários reinados, o ponto de Imerinas ficou consagrado, rambozalama o vetor saudável, Ivato, cidade sagrada..."? Ou das que seguiram os trios elétricos cantando "eu vou, atrás do trio elétrico, vou, dançar ao negro toque do agogô, curtindo minha baianidade nagô"? Não acho resposta. Assim como não acho solução para o seguinte quesito: onde essas letras vão parar? Falta alguma coisa ainda a ser dita?
Carnaval, é claro, como toda festa popular, sempre terá repertório que agrade o povão. Atualmente, as tais músicas são as da vez, as do gosto da massa. Quem curte que ouça, dance e se esbalde. Eu só espero que, de tão acostumados, não passemos a achar que música se resume a esse joguinho de rimas fracas e palavras chulas. E que, por força das letras cada vez mais diretas, não percamos de vez o senso que diferencia o que é divertido e engraçado do que é ridículo e agressivo de se ver e ouvir.