Bene Barbosa: "A defesa do desarmamento é feita sem embasamento lógico”

31/07/2015 13:37 - Blog do Vilar
Por Lula Vilar
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Caros leitores,

Disponibilizo neste blog a íntegra das Páginas Vermelhas que se encontram na edição do CadaMinuto Press desta semana. Vale a pena adquirir a edição. Não apenas pela entrevista, mas também pela excelente matéria sobre a 17ª Vara Criminal e as respostas das autoridades alagoanas em relação às colocações do deputado federal Paulo Fernando dos Santos, o Paulão (PT), sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga os casos de violência envolvendo jovens negros e pobres.

Autor de Mentiram Para Mim Sobre o Desarmamento, Bene Barbosa expõe – em uma polêmica obra, mas repleta de dados e análises – as possíveis contestações aos argumentos dos desarmamentistas. Ferrenho defensor da derrubada do Estatuto do Desarmamento, Barbosa – que é consultor em segurança pública - coloca que tirar as armas das mãos dos cidadãos não reduziu os índices de violência no país. “Pelo contrário, eles aumentaram”.

Barbosa ainda coloca a necessidade de se rediscutir a mentalidade que coloca o Estado como o único responsável pela proteção do cidadão. Para ele, os que defendem o desarmamento não conhecem a realidade do país, que ainda tem regiões extremamente afastadas do grande centro onde a arma – para muitos ribeirinhos, por exemplo – é uma questão de sobrevivência.

Bene Barbosa escreve a obra em parceria com Flávio Quintella, que e autor do Mentiram (e muito) Para Mim. Lançada pela Vide Editorial, o livro é sucesso de público. O CadaMinuto Press conversou – em uma entrevista exclusiva – com o autor da obra. Confira a íntegra.

Um dos pontos fortes de sua obra com o Flávio Quintella é justamente a busca pela desmistificação de alguns dados que são apresentados de forma incipiente ou deturpada no Brasil quando o assunto é o desarmamento. Um deles é justamente a relação entre o desarmamento e a redução da criminalidade. Em sua visão porque este discurso persiste – relacionando estas duas coisas – quando na prática percebemos que, mesmo diante do Estatuto do Desarmamento, as mortes por arma de fogo seguiram aumentando?

Essa é um questionamento que me fiz muitas e muitas vezes. A defesa do desarmamento na maioria das vezes é feita sem qualquer embasamento lógico, sem coerência e não raras vezes ignora propositadamente os dados e os fatos. Isso quando simplesmente inventam e deturpam estatísticas em prol de sua causa. Noto um verdadeiro desespero daqueles, que por duas décadas, pregaram o desarmamento como ferramenta para se diminuir a criminalidade e a violência no Brasil e agora, diante de fatos, simplesmente fecham os olhos e tapam os ouvidos e, como uma criança mimada e mal-educada, ficam gritando “não estou ouvindo nada, lá,lá,lá. Não estou vendo nada, lá, lá, lá, lá...”. Há sem dúvidas uma mistura perigosa de ideologia e ego. Por uma lado, se negam a aceitar que falharam e por outro, querem - não importando o custo em vidas inocentes – impor aquilo que acham ser melhor para o sociedade.

O projeto de lei que derruba o Estatuto do Desarmamento – ao contrário do que muitas pessoas pensam – não cria um “livre comércio de armas no Brasil como se não existisse qualquer tipo de regras”. Ele é um projeto de lei denso e com uma série de restrições. O senhor o considera o ideal ou ainda é uma ideia que restringe o acesso à arma apesar de derrubar o Estatuto do Desarmamento?

Muitas pessoas assim acham por total má fé por parte daqueles que buscam mantê-lo. Várias organizações poderosas, financiadas com dinheiro público e de outras organizações estrangeiras, que atuam em favor do desarmamento espalharam mais essa mentira de que todo mundo vai poder armado. A pauta foi divulgada e publicada na grande imprensa. Repito que isso é mentira! Várias restrições contidas na atual legislação são mantidas no Projeto de Lei em discussão, algumas eu acho, para esse momento, necessárias. Não acho que seja ainda um projeto ideal, acredito que muita coisa possa ser melhorada no substitutivo que deve ser apresentado pelo relator na Comissão Especial que analisa o projeto. Como exemplo, cito as armas longas, espingardas, que poderiam muito bem ser isentas totalmente de burocracias para facilitar a vida de pessoas que vivem longe dos grandes centros, no sertão nordestino, no meio do pantanal ou no interior da Amazônia, por exemplo. Essas pessoas simplesmente não podem sobreviver sem uma arma. A legislação precisa respeitar as necessidades regionais e quase nunca isso acontece.

Alguns dos argumentos dos desarmamentistas se sustentam em comparações com os EUA, por exemplo. Mostram a facilidade de acesso às armas naquele país e as conseqüentes tragédias exploradas pela mídia, como garotos armados que entram em escolas, cinemas, igrejas, enfim. Como o senhor vê estas comparações? Elas possuem algum tipo de fundamento?

Nenhum fundamento! Usam fatos chocantes para tentar ganhar pela emoção à tragédia apoio ao desarmamento. Tenho vários artigos publicados sobre isso, entre eles destaco o texto “Leis nunca impedirão loucos, terroristas ou criminosos” que pode ser encontrado em uma rápida pesquisa na Internet. Lá detalho como são exatamente as leis que impedem que cidadãos americanos entrem armados em alguns lugares é que acabam incentivando esse tipo de barbárie. Além do mais, esquecendo esse tipo de ataca, a criminalidade violenta desabou nos últimos anos nos EUA. Hoje, com milhões de armas nas mãos de seus cidadãos, eles possuem sete vezes menos homicídios que o desarmado e “pacífico” Brasil e a taxa continua em queda. Aqui convido os leitores para procurarem também pelos artigos “Sobre armas, leis e loucos” e “Ianques assassinos versus pacíficos tupiniquins” também de minha autoria.

Em recente debate com o advogado que defendia o Estatuto do Desarmamento, o senhor tocou em um ponto pouco lembrado: quem defende o desarmamento parece não conhecer o Brasil, pois esquece a necessidade que alguns brasileiros possuem de estar armado em regiões do extremo Norte ou do Sertão nordestino. Neste caso não é apenas uma questão de defesa social, mas de sobrevivência. O senhor poderia explanar um pouco desta realidade para o nosso leitor e o que lhe levou a esta afirmação?

Exatamente! Essa é uma das principais críticas à atual lei que coloca na mesma canoa um morador das grandes capitais que simplesmente entra em um mercado e compra qualquer alimento e o morador de regiões remotas que usa a arma para garantir a alimentação de sua família e a defesa contra animais perigosos e será que alguém acredita que essas pessoas apresentarão atestados de antecedentes, comprovação residência fixa, comprovação de ocupação lícita, atestado de um psicólogo credenciado pela PF, teste prático de tiro, pagarão todas as taxas e exames e se deslocarão centenas de quilômetros para entregar tudo isso em uma delegacia da Polícia Federal? Só no Brasil do faz-de-contas dos desarmamentistas! Pouco tempo atrás a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha de contrabandistas internacionais de armas que atuava em Macapá, capital do Amapá. A quadrilha era formada por agentes públicos de órgãos de segurança e adivinhem que tipo de armamento eles traziam para o Brasil de forma irregular. Fuzis? Metralhadoras? Pistolas? Revólveres? Armamento que vemos diariamente nas mãos de criminosos? Não! Contrabandeavam basicamente armas de caça, as velhas cartucheiras, a típica do interior brasileiro. Embora seja um legalista, acho difícil condenar moralmente, neste caso, quem vendia e quem comprava esse armamento. Um por necessidade gerada pela inviabilidade da lei e o outro fruto da mesma lei.

O que dizer para os que defendem o Estatuto do Desarmamento e colocam sobre os ombros do Estado toda a responsabilidade pela defesa do indivíduo? Não seria um contra-senso diante do fato notório de que o Estado não consegue sequer fiscalizar a própria lei que criou para desarmar?

Mais uma vez mentem descaradamente! Segurança Pública não é, nem nunca foi, garantir que cada cidadão estará protegido 24 horas por dia! O objetivo da Segurança Pública é sinônimo de paz social e normalidade, isso não significa em lugar nenhum do mundo que crimes não possam e não vão correr. Seria o mesmo que disséssemos que a função da Saúde Pública é impedir que pessoas fiquem doentes e proibíssemos os médicos e hospitais particulares.  Mesmo em países com índices absolutamente baixos de criminalidade violenta como é o caso da Suíça, Finlândia e Canadá - só para citar três exemplos onde o Estado garante que seus cidadãos tenham acesso ao único meio eficaz para defesa: a arma de fogo.

No livro vocês – o senhor e o Quintella – também versam um pouco sobre a questão dos acidentes domésticos envolvendo armas de fogo. Não se nega os acidentes, mas porque a existência deles – ainda assim – não serve para uma argumentação em defesa do Estatuto do Desarmamento?

O que é estatisticamente mais perigoso para uma criança: uma piscina ou uma arma? Um detergente ou uma arma? Pois bem, estatisticamente falando, e isso é comprovado por números do SUS, o número de crianças que morrem em acidentes de afogamento ou ingestão de produtos de limpeza é 100 vezes maiores das que se acidentam com armas de fogo. Acidentes, que podem ser evitados, não podem de forma nenhuma pautar a liberdade das pessoas. Se eu tenho uma piscina em casa e tenho filhos, sou responsável pelos cuidados necessários para evitar acidentes. Se não o fizer a culpa é da sociedade que permite que existam piscinas? Claro, que não!

“Cada vez mais, é possível vê que as pessoas que estão do lado do desarmamento estão do lado dos bandidos”. A citação é do senhor durante uma de suas entrevistas concedidas a outros veículos de comunicação. Por qual razão o senhor defende esta tese?

Confesso que foi uma afirmação dura e generalizada, mas naquele momento isso tinha ficado absolutamente claro! O outro debatedor tinha acabado de dizer que eu estava lá me preocupando com a vida do cidadão ao defender o direito de defesa, mas ninguém estava preocupado com a vida do bandido! Ora, quem afirma uma coisa dessa mostra exatamente qual a sua real preocupação. De forma indireta, todos aqueles que pregam o desarmamento, estão contribuindo para a ideia que uma vida é uma vida e não existe diferença entre a vida dos seus filhos e quem tenta matá-los! Isso é absolutamente inaceitável para quaisquer pessoas minimamente razoável. Deixo aqui uma pergunta ao leitor, o criminoso ficou sem armamento? E se ele não ficou, o que acontece quando desarmamos apenas as suas vítimas? Acredito que a reposta é clara.

Certa vez o senhor provocou certa polêmica ao conceder uma entrevista a um programa de televisão em que avaliava o comportamento das pessoas diante de um assalto. O senhor foi enfático ao não concordar com o lema “não reaja!”. Deveríamos reagir?

Realmente os apresentadores não esperavam, mas entrevista ao vivo tem dessas. Esperavam a velha cantilena do “nunca reaja”. Não fui por esse caminho e afirmei que a reação ou não reação deve ser algo avaliado única e exclusivamente por quem está sendo vítima de um ataque. Eu acho uma boa ideia reagir desarmado (grifo meu) contra um assaltante armado? Claro que não, mas em determinado momento isso pode ser a única chance de sobreviver. O grande pecado do “nunca reaja” é que ele não garante que a vítima saia viva da situação e o que é gravíssimo é que acaba por justificar o criminoso que mata durante um roubo. Reparem, se é que já não o fizeram, que sempre que pegam o autor de um latrocínio (roubo seguido de morte) ele se justifica dizendo que a vítima reagiu, tentou fugir, puxou a bolsa. Ou seja, na cabeça dele, ao ouvir autoridades policiais e outros dizendo “nunca reaja”, se a vítima reagiu ele tem todo o direito de matá-la.

Em sua avaliação – como sugere o livro – por que se mente tanto em relação às soluções do Estatuto do Desarmamento? Há algo por trás disto que não simplesmente a preocupação em construir uma sociedade, digamos, mais segura?

É impossível que todos aqueles que pregam o desarmamento de uma forma cega estejam preocupados com o bem da sociedade. Temos uma forte ideologia estatista e intervencionista marchando sobre o Brasil. A tentativa de dar poderes ao governo de que ele pode terminar tudo na vida pessoas de seus cidadão é clara. Depois de mais de 20 anos estudando esse assunto não tenho a menor dúvida é que o real objetivo é garantir o monopólio da força nas mãos do estado e isso só é possível com uma sociedade desarmada e devidamente doutrinada pelo “nunca reaja”. Um caminho perigoso para a democracia e para a liberdade do cidadão. Um caminho sombrio que já foi trilhado por déspotas e ditadores como Hitler, Stalin, Fidel, entre outros.

Há uma provocação que é sempre feita: temos – em nossa cultura, nos dias atuais – uma banalização da vida. Não por acaso registramos mais de 60 mil homicídios em um ano, conforme dados oficiais. Derrubar o Estatuto do Desarmamento não seria construirmos um clima de faroeste e bang-bang nas ruas brasileiras?

Aqui temos uma série de conceitos e fatos que precisam ser avaliados. O primeiro deles é de quem mata no Brasil. Será que é o cidadão comum que simplesmente chega um dia e resolve matar? Do nada? Mesmo tendo uma das mais baixas taxas de resolução de homicídios do mundo – são apenas 8% - há fortes indícios que quem mata no Brasil são pessoas já envolvidas com a criminalidade. Quantas pessoas legalmente armadas cometem homicídios? Um número absolutamente irrisório. Basta perguntar para qualquer policial quantas ocorrências ele atendeu envolvia uma arma legalizada. Portanto, a única forma de combater os homicídios é combater a impunidade e a criminalidade, o que não é feito no Brasil. Houve uma banalização da vida? Sem dúvidas! E o culpado por isso é o discurso de esquerda adotado há mais de 20 anos de que a criminalidade é simplesmente uma questão social, que o criminoso é “vítima” da sociedade, que a vida de um estuprador e assassino tem o mesmo valor que da vida de sua vítima, que cadeia não regenera ninguém e por ai vai. Isso é banalizar a vida. Viraríamos um bang-bang? Bom, primeiramente é importante desmistificar essa ideia de que o Velho Oeste americano era uma terra sem lei e duelos aconteciam por todo lado. Nada mais falso. Só para fazermos uma comparação, enquanto nas mais “violentas” cidades do Velho Oeste a taxa de homicídios era de 1,5 por 100 mil habitantes, em Alagoas, por exemplo, temos uma taxa de mais de 60 mortes por 100 mil habitantes e a média nacional gira em torno de 30 mortes por 100 mil. Neste aspecto, se virássemos um bang-bang, estaríamos no lucro. Bom, mas acontecia ou não? Pessoas legalmente armadas causariam mais homicídios? Peguemos duas regiões brasileiras para compararmos. Sul e Nordeste. No Sul as maiores taxas de pessoas que possuem legalmente armas de fogo. No Nordeste, o mais baixo número do Brasil de acordo com dados da Polícia Federal. No Nordeste as mais altas taxas de homicídios do país e no Sul as mais baixas... Oras, fica muito claro que o problema não é a arma e sim toda uma série de outros fatores.

Muitos países que fizeram a opção pelo desarmamento estão voltando atrás. Que conclusões nós brasileiros podemos tirar disto?

Temos vários exemplos disso. Na Inglaterra se discute intensamente o retorno do direito de possuir armas para defesa. No Canadá está se abolindo o registro de armas longas (fuzis e espingardas), na Itália, em 2006, o porte foi liberado, na Suíça fizeram um referendo para proibir que as pessoas tivessem fuzis em casa e a população, como no Brasil em 2005, disseram não à proibição. A conclusão é simples: esses países discutem Segurança Pública de forma séria e não ideológica. Nesses países a liberdade é valorizada e o Estado não se acha no direito de reduzi-la sem uma real necessidade, embora veja sempre com grande restrição a ideia que a liberdade individual deva ser restringida com a possibilidade de um ganho coletivo. Toda ditadura é coletivista e começa exatamente quando alguém decide que sabe o que é melhor para os outros.

Estou no twitter: @lulavilar

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