Da aceitação à identidade: cabelos crespos ganham adeptas e grupo nas redes sociais

26/07/2014 07:07 - Maceió
Por Vanessa Siqueira
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Curtos, compridos, amarrados, com adereços ou livres ao vento, os cabelos cacheados ganham mais adeptos e além do um estilo, representam uma forma de aceitação e até de autodescoberta para algumas pessoas. Em Maceió, um grupo de meninas decidiu assumir os cachos e criou um grupo no Facebook que abarca discussões mais aprofundadas sobre preconceito, identidade e aspectos sociais.

A história de vida das pessoas que possuem cabelos crespos e cacheados possuem pontos em comum. Já houve fases em que a única forma de domar os fios era mantendo-os alisados ou amarrados, há quem era apontado na adolescência como uma figura ‘estranha’ ou quem demorou um tempo para se aceitar e abandonou as químicas em prol da autoestima.

A estudante de medicina veterinária Jéssica Biana é uma das que passou por uma verdadeira transformação pessoal. Se antes era a única adolescente negra e com cabelos cacheados na sala de aula no ensino médio, hoje os cachos se tornaram mais definidos e a aceitação dos fios crespos apontou para a sua localização dentro da sociedade.

“Não me sentia confortável com a minha imagem. Eu não sofria Bullying diretamente na escola, mas o fato de não me encaixar no perfil dos grupos por conta da minha cor e do meu cabelo, me deixava mal. Deixei de alisar os cabelos há dois anos, mas eu não cuidava e eles ficavam feios. E por isso eu não me achava bonita nem atraente. Era como se não fosse eu com aquele cabelo”, lembra.

Depois de recorrer a um processo conhecido como Big Chop, a transformação pessoal teve início e hoje o cabelo de Jéssica é motivo de orgulho. O Big Chop ou B.C. é um processo de transição capilar onde se é retirada toda a parte com química dos cabelos. Ele marca a passagem do cabelo quimicamente tratado para o natural. Jéssica acabou virando adepta dos turbantes, um adereço com forte determinação negra.

“No começo eu fui atrás de tutoriais no Youtube, fui tentando, aprendendo sozinha mesmo. Aí quando comecei a usá-los as pessoas na rua me paravam para perguntar como fazia, diziam que era bonito e fui vendo que eu podia ser uma mulher bonita também. Aí aceitei minha cor, construí minha identidade e hoje me sinto mais forte, independente dos olhares estranhos os preconceituosos de outras pessoas”, diz.

Infância crespa e a experiência compartilhada

As mudanças hormonais que modificam a estrutura de todo ser humano toma contornos dramáticos para quem vai descobrindo que seu cabelo será ondulado. Com a estudante de biologia Thayná Rose não foi diferente. “Eu alisava o cabelo desde os 10 anos. Tive uma infância crespa e era motivo de piadas entre meus amigos”, lembra. 

Depois de alisar religiosamente os cabelos por anos, sofrer quedas capilares por conta dos produtos químicos usados, Thayná decidiu radicalizar. “Teve um dia que me cansei daquela aparência e cortei sozinha meu cabelo bem curtinho. Daí fui usando lenços, adereços e cuidando para que ele crescesse bonito e espero nunca mais precisar alisar meu cabelo”, lembrou.

Com tantas experiências, muitas delas desastrosas, ela decidiu criar o grupo Cacheadas de Maceió no Facebook. De início o espaço seria apenas utilizado para compartilhar com algumas amigas o cotidiano em comum dos fios enrolados, mas aos poucos outras pessoas foram se identificado e hoje já são mais de mil membros.

“Hoje nos reunimos para fazer eventos, conversas, oficinas sobre produtos, adereços, trocamos produtos, damos dicas de cuidados e isso fortalece muito a relação com as meninas, você sabe que não está sozinha, pois tem gente que precisa de você”, afirma.

Do grupo, outras experiências foram sendo agregadas. O contato saiu das redes sociais e hoje tomou corpo em eventos promovidos com a finalidade de se discutir além de cabelo, questões sociais, ideológicas e de gênero. Um deles é o Encrespa.

O evento teve início em Nova York no ano passado e se espalhou pelo mundo. Ele acontece em todo o país e em Alagoas está na terceira edição. O primeiro deles aconteceu na praça de alimentação de um dos shoppings da capital e reuniu um pequeno grupo de meninas.

“Cada uma contou sua história e a partir de que momento decidiu assumir o cabelo natural. O segundo já contou com a participação de mais pessoas, foi na Praça do Centenário e lá fizemos palestras sobre o papel da mulher na sociedade, a Jéssica deu uma oficina de turbantes. Foi muito boa essa troca, conhecer outras histórias, se identificar com elas.”, conta Tamires Melo, uma das participantes do grupo.

Tamires, aliás, tomou como profissão a missão de cuidar de cabelos cacheados. A estudante de artes cênicas é também assessora de cachos e fundadora do blog Cabeleira Crespa, onde dá dicas sobre tratamento capilar, além de contar um pouco de sua experiência.

Assim como outras meninas, ela contou que recorreu à química durante um tempo, mas decidiu aceitar o cabelo cacheado logo no início da adolescência. O blog e a profissão vieram como complementos da relação com seus fios ondulados. “O cabelo não é um capricho. A relação que temos com ele mexe com a nossa identidade, autoestima, até a forma como nos aceitamos. Você se sente diferente depois que assume o seu cabelo como ele é, passa a se conhecer”, diz.

A especialista em cachos afirma que dos fatores que levam tantas pessoas a recorrer a processos químicos quando descobrem que os fios não serão lisos por toda a vida é a falta de informação e em alguns casos preconceito dos próprios familiares.

“Se desde pequeno nós soubéssemos como cuidar do cabelo crespo, não recorreríamos a químicas tão pesadas, que são responsáveis por danificar os fios. Como eu sempre tive uma relação amigável com meu cabelo, não passei por tantas dificuldades, mas entre clientes e amigos ouço sempre histórias tristes onde as pessoas demoraram a se aceitar e passaram até por problemas psicológicos por conta disso”, alertou.

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