Perdão de dívidas, prioridades invertidas

26/05/2013 06:45 - Geral
Por Candice Almeida

 

Há algum tempo numa reunião de prefeitos alguém disse: "fazer política com o dinheiro dos outros é muito fácil". O indignado referia-se à política federal de redução de IPI para incentivar o consumo de determinados produtos pelos próprios brasileiros, o que acabou levando ao atual sofrimento de muitos municípios por conta da diminuição do FPM – Fundo de Participação dos Municípios, a principal fonte de renda de pequenas cidades.

Justificando-se em políticas externas e na importância de manter relações especiais com a África, o governo federal anunciou neste fim de semana – diretamente da África – a anulação de 900 milhões de dólares (cerca de 1,9 bilhões de reais) em dívidas de 12 países africanos. A ideia do governo brasileiro é que como a economia desses países tem se fortalecido, o perdão das dívidas poderá beneficiar o Brasil nas relações comerciais futuras. Aposta legítima, mas aposta.

O Brasil já emprestou dinheiro ao mundo inteiro, só através do FMI (Fundo Mundial Internacional) foram 10 bilhões de dólares (cerca de 21 bilhões de reais). No mesmo ano o Brasil emprestou 5 bilhões de dólares à Argentina.

Já é uma realidade o crédito de mais de 170 milhões de dólares (cerca de 350 milhões de reais) para a reforma e ampliação de aeroportos cubanos, através da Odebrecht (ironicamente a construtora de Norberto Odebrecht, que se tornou forte durante o Regime Militar – o maior carrasco da turma do governo federal –, principalmente por negócios suspeitos feitos com ACM – Antônio Carlos Magalhães – na Bahia). Isso depois de já ter financiado a reforma do aeroporto de Havana e estar em negociações avançadas para a importação de médicos cubanos (hoje a exportação de serviços médicos já rendem para Cuba 6 bilhões de dólares por ano).

Recentemente fontes governamentais reconheceram o “mau negócio” realizado em Pasadena (Texas/EUA), ocasião em que o Brasil desembolsou de mais de 1,1 bilhão de dólares (cerca de 2,3 bilhões de reais) por refinaria de petróleo, mas que acabou se revelando num verdadeiro prejuízo. Outros “maus negócios” já foram feitos pela Petrobrás, como a refinaria de Abreu e Lima (PE/BRA), cujo prejuízo já soma mais de 15 bilhões de dólares, e na verdade está mais para golpe dos “amigos” venezuelanos através da estatal PDVSA.

Números nunca foram meu forte e o governo brasileiro tem dado mostras de que sabe administrar a economia local – pelo menos com a moeda estável e forte –, longe de mim censurar a política externa do PT ou os investimentos que têm sido feito ao longo dos últimos 10 anos. Entretanto, o que me causa desconforto são a benevolência e o olhar tão compreensível dos credores brasileiros para com os devedores estrangeiros, enquanto milhares de sertanejos nordestinos estão correndo risco de perderem tudo – o que é quase nada.

Não é novidade o tamanho das dívidas que pequenos proprietários rurais contraíram com diversos bancos brasileiros, ao longo de algumas décadas, empréstimos estes concedidos com o aval do governo federal. Sabe-se, também, que muitos desses empréstimos não foram concedidos durante o governo atual e nem o anterior, mas estamos falando de pequenos proprietários de terra, produtores rurais, que querem verdadeiramente pagar suas dívidas, mas que não conseguem. Primeiro por causa dos juros estratosféricos; segundo, por conta da seca recorrente.

Emprestar sem capacitar para o enfrentamento da seca foi um erro absurdo dos governos do passado e dos que se seguiram. A atual estiagem já era sabida pelo governo federal desde o início de 2010, e ainda assim medidas eficazes para amainar o problema não foram adotadas.

Só neste ano de 2013 que o primeiro trajeto do canal do sertão foi entregue. Canal este que é cogitado desde as andanças de D. Pedro II pelo sertão nordestino e que muito foi prometido pelos políticos ao longo de tantos anos. Mas a pobreza sertaneja e a dependência desse povo saem muito mais lucrativo aos currais eleitorais.

Hoje os pequenos trabalhadores nordestinos correm o risco de perderem sua pequena e única propriedade por conta de empréstimos antigos e com juros exorbitantes que têm sido executados e que a seca acabou com qualquer possibilidade de pagamento.

A situação é tão incompreensível que, ao passo que o governo se fecha à possibilidade de perdoar essas dívidas, os sertanejos convivem com a ameaça de ver suas propriedades serem arrendadas – ou, simplesmente, tomadas – para que nelas seja cultivado o coco (exatamente, a chegada da água ao sertão pode viabilizar que o coco tome conta da paisagem sertaneja).

Esquecem-se das habilidades do sertanejo, esquecem-se da bacia leiteira, da criação de caprinos e bovinos e da plantação de feijão e de mandioca.

Que o governo federal continue sua política externa como bem entender, mas que não esqueça daqueles que realmente precisam de perdão das dívidas, os sertanejos.

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