Os equívocos de Malafaia

05/02/2013 10:26 - Balaio do Teles
Por Redação

Olá, pensadores!

Sobre os equívocos na área de genética do pastor Silas Malafaia, na entrevista recentemente dada à jornalista Marília Grabriela, o cientista Eli Vieira fez questão de publicar um vídeo que já conta, até a data de hoje, com quase 200 mil acessos. A desinformação do pastor é tanta que, a meu sentir, beira a má-fé, o desejo de confundir, de impor, a qualquer custo, o seu pensamento.

Na mesma entrevista, Silas Malafaia falou também sobre o PL-122, projeto de lei que tramita no Congresso Nacional e que visa estender, aos homossexuais e outras minorias, certos direitos na área da liberdade de expressão e combate ao comportamento discriminante. O pastor deixou claro, no programa, que o projeto de lei é uma aberração pois estaria dando “poderes especiais” aos gays, lésbicas, transexuais e trasgeneros. Em seu argumento, sustenta que os homossexuais não podem ter maiores nem melhores direitos que ninguém.

Embora não seja nenhum especialista em direito, sinto-me à vontade para, depois de ler o citado PL-122, discordar veementemente de Silas Malafaia. É que o PL-122 não dá aos homossexuais nenhum poder especial, nem, muito menos, nenhum direito a mais que aqueles que qualquer classe potencialmente vítima dos crimes de ódio e da intolerância já possuem.

Em que pese haver diversos substitutivos a serem analisados, o PL-122, em sua proposta inicial, visava alterar a Lei 7.716/1889 e o Código Penal Brasileiro. Esta Lei, a 7.716/1989, define os crimes resultantes de discrminação ou preconceito. O art. 1º diz que serão punidos, na forma da lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. O PL-122 quer alterar esta definição para incluir, na proteção legal, os idosos, os deficientes e os crimes praticados em razão do sexo, gênero, orientação sexual ou identidade de gênero das pessoas.

Como se percebe já no primeiro artigo, não se busca dar aos homossexuais direito maiores ou menores. O direito que já é reconhecido a minorias como índios, negros, estrangeiros ou religiosos, por exemplo, está sendo pleiteado não só para homossexuais, mas também para idosos, deficientes, etc. O argumento do pastor é falso e, portanto, mais uma vez, ele demonstra estar ou mal informado ou, o que é pior, mal intencionado.

Tratando especificamente sobre os homossexuais, há, unicamente, o art. 8º-B, que pretende tornar crime a proibição da livre expressão e manifestação do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, quando tal expressão e manifestação forem permitidos aos demais cidadãos ou cidadãs. Veja-se que, até nesse artigo, o direito dos homossexuais não se sobrepõe ao de nenhuma classe. O pensamento aqui é absolutamente isonômico.

As demais mudanças, previstas no art. 4º, 8º-A, 8º, 16 e 20, abrangem não somente os homossexuais, mas, inclusive, os religiosos e todas as minorias potencialmente vítimas de crimes de intolerância, preconceito e ódio. Por exemplo, uma das mudanças impede que um empregador demita seu funcionário pelo fato de ele ser evangélico ou negro ou velho ou idoso ou paraguaio. Outra, proíbe que restaurantes, locais públicos, impeçam a entrada de brancos ou de mulheres ou de árabes ou de gays, com base na cor, no sexo, na origem ou na orientação sexual apenas. Justo, não?

Quanto à mudança no Código Penal, o texto altera tão somente o §3º do art. 140, qualificando o crime de injúria se ele é cometido em virtude de raça, cor, etinia, religião, origem, idade, deficiência, gênero, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, usando o mesmo tratamento da mudança na Lei 7.716/1989. Não se trata, resta claro, de dar a ninguém maiores, nem melhores, direitos. O tratamento é de igualar minorias que igualmente, não raro, tem sido alvo de crimes de intolerância.

Silas questionou, na entrevista, onde ficaria seu direito constitucional a liberdade de expressão com base científica, religiosa ou filosófica. Eu lhe respondo, caro pastor, o que muitos juristas já falam há dezenas de anos: nenhum direito é tão fundamental que não possa dar lugar a outro. Assim o é, inclusive, com o maior direito de todos, isto é, a vida. Em determinadas circunstâncias, o direito à vida cede lugar ao direito à proteção nacional, por exemplo, nos casos da pena de morte por guerra declarada.

O pastor Silas não pecou somente na genética. Pecou também no direito. Tentou, usando a eloquência que lhe é própria, demonstrar conhecimento sobre o assunto, mas culminou por revelar sua total ignorância e intransigência. Falhou no sentimento de humanidade, de respeito e de compreensão. Age de forma leviana ao tentar impor um pensamento fundado em bases inventadas, ou mal interpretadas, e que, se bem visto, não traz nenhuma contribuição. Pelo contrário, enraíza intolerância e prega a discriminação.

Independentemente se a homossexualidade é genética ou decorrência comportamental, o que há de errado em permitir que as pessoas amem e demonstrem seu amor? É o medo de ser contagioso? Diminui a fé? É contra a moral bons costumes? É o medo de perder fiéis? É contra a ordem natural da coisas? O que incomoda tanto, nos outros, o amor de um homem por outro homem ou de uma mulher por outra mulher? Qualquer um pode responder a um desses questionamentos, agarrar-se em seu argumento e defender seu ponto de vista. O que não pode é restringir o direito do homossexual por ele ser quem é.

Disso tudo, além da aula de despreparo intelectual de Silas Malafaia, me sobrou uma certeza: a de que somente um exame sincero e consciente, por parte de uma sociedade devidamente educada, que saiba distinguir a fé, a moral e o direito, será capaz de construir uma realidade onde as pessoas consigam conviver harmonicamente, respeitando-se e tolerando-se mutuamente. Onde a vaidade de um discurso religioso ou moral não seja o argumento para que pessoas continuem sendo discriminadas e impedidas de exercerem seus direitos.

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