Qualquer coisa ajuda...

12/09/2012 08:30 - Geral
Por Candice Almeida
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Amanhece às 6h e a essa hora Bárbara, ou Barbie, é acordada pelos primeiros raios de sol. A luz do dia a impede de continuar dormindo, mesmo tendo caído de sono poucas horas atrás. Ela continua deitada num vão de entrada da Igreja de São Tomás, abrigada pelos belíssimos entalhes religiosos no mármore branco da construção em estilo gótico.

Aos poucos a larga e famosa avenida que hospeda sua dormida é tomada pela multidão de transeuntes que passam por ela diariamente. O barulho é crescente e os sons de passos, carros, buzinas, frenagens e vozes se misturam a sua volta. Sem opção, Barbie inicia seu dia.

Nenhuma moeda no bolso para seu café, a suja moradora de rua põe-se num canto da calçada, suja, maltrapilha, ostentando o copo de café do dia anterior e uma placa em papelão com os dizeres: “Homeless”, “Hungry”, “Anything help”, “God bless” (sem teto, fome, qualquer ajuda, Deus abençoe).

Sim, nossa heroína é uma moradora das ruas de Nova Iorque, é uma americana que não tem um lar, que vive nas ruas a exemplo de inúmeros outros moradores de rua do Brasil e de todo o mundo. Barbie (nome fictício) é apenas uma das várias personagens excluídas da sociedade, lá, assim como em qualquer outro lugar, eles não são vistos, são ignorados e, a menos que estejam no caminho de alguém, dificilmente são notados.

A crise que atingiu os Estados Unidos e o mundo com certeza influenciou na multiplicação dos moradores de rua dos últimos anos, eles contam com um serviço de assistência social muito bom, principalmente no inverno, mas com o número cada vez maior, a tendência é que o serviço seja insuficiente, deixando de ser capaz de suplantar com a necessidade real da cidade, o que parece já estar acontecendo.

E esta é a principal diferença para os nossos moradores de rua. Os daqui não possuem acesso à assistência social de um modo geral, a capacidade de amparo estatal é mínimo frente a necessidade, o abismo existente entre as camadas sociais é absurdo. E mais, os moradores de rua daqui que usam drogas (cola, entre elas), o fazem a qualquer hora do dia e sem se incomodar com plateia, os de lá, se usam, não mostram, passam fome e aceitam qualquer comida, qualquer coisa que possam transformar em comida (se transformam em drogas também, o que é provável, não ostentam).

As diferenças não ficam aí, a maioria dos moradores de rua do primeiro mundo tiveram acesso ao ensino básico, são alfabetizados e para reinseri-los ao convívio social é mais fácil. Crises econômicas quando atingem países “desenvolvidos” tendem a escandalizar a todos, causar desesperança e desespero. Em países sem a marca do desenvolvimento a expectativa é menor, o número de miseráveis sempre foi enorme e ignorá-los sempre fez parte de sua cultura.

O que se pretende com o presente texto é mais que relembrar o leitor sobre a existência de nossos moradores de rua, é informar que muitos dos nossos problemas não são só nossos, são mundiais, que muitas vezes generalizamos situações de grandiosidade e perfeição em países estrangeiros diminuindo ainda mais nossa condição de brasileiros.

Entretanto, cada povo tem sua história e reage às suas adversidades de um modo distinto, não podemos comprar, copiar projetos ou querer influenciar em administrações diversas partindo de nossas experiências, pois cada situação é única, é dotada de peculiaridades singulares. Daí a certeza de que mudanças sociais iniciam em pequenos núcleos, com atitudes simples e até individuais, inspirando comportamentos, alimentando expectativas e criando esperanças.

Se cada um fizer um pouco e fiscalizar o poder público, quem sabe nossos moradores de rua, e os demais, poderão ter mais opções?!

 

*Esclareço que não gosto de generalizações. Nós, os americanos e todo o mundo possuímos moradores de rua que estão nas ruas por opção, às vezes por problemas psíquicos não diagnosticados ou por falta de possibilidade da família em ofertar tratamento adequado. Enfim, sejam quais forem as razões que levaram essas pessoas ao desamparo elas não são invisíveis.
 

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