Casas de Axé se tornam referência cultural e social em Alagoas

20/11/2010 03:37 - Maceió
Por Redação
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Em Alagoas as Casas de Axé, onde são celebrados os cultos das religiões de matriz africana, se transformaram em importantes referências culturais e sociais, o que contribue para minimizar o preconceito acerca do Candomblé e da Umbanda. Em Maceió, A Casa de Iemanjá - Ponto de Cultura Quilombo Cultural dos Orixás, na Ponta da Terra, que em 2004 passou a ser o primeiro terreiro reconhecido como Ponto de cultura no Brasil - e o Grupo União Espírita Santa Bárbara (Guesb), no bairro do Village Campestre oferecem atividades relacionadas à temática afro, além de cursos profissionalizantes para a comunidade. 

Segundo dados da Federação dos cultos afro umbandistas de Alagoas existem mais de 20 mil Casas de Axé cadastradas e algumas vêm elaborando projetos para serem reconhecidas como pontos de cultura. Isso fez com que a capoeira, a dança afro e o toque dos tambores se tornassem atividades de inclusão social, tirando jovens em situação de risco das ruas, além de perpetuar a identidade cultural, uma vez que o Estado abriga o maior símbolo de luta do povo negro, que é o Quilombo dos Palmares, situado na Serra da Barriga, no município de União dos Palmares, além de ter comunidades quilombolas reconhecidas pela Unesco como patrimônio cultural. 

Desde criança pai Célio de Ogun, que é babalorixá da Casa de Iemanjá, trilha os caminhos das religiões de matriz africana. Ele foi o segundo dos netos de Maria Garanhuns, Ialorixá conceituada na cidade de Maceió. Quando nasceu, Célio foi recebido pelo Orixá Iemanjá, que dançava incorporado em sua avó e foi intitulado como o  herdeiro da Casa de Axé. O babalorixá já recebeu várias homenagens, entre elas a Comenda da Ordem do Mérito dos Palmares e lembra com orgulho de quando começou a promover uma interação entre a população da Ponta da Terra e a cultura afro. 

“Em 1983, quando eu entrei na faculdade para o curso de história já senti a necessidade de aproximar as pessoas da cultura afro e tentar desmistificar questões que envolvem preconceito. Em 1984 eu levei para a comunidade os conhecimentos que adquiri e transformei a Casa de Axé em uma ONG, onde desenvolvemos os trabalhos e assim conseguimos conquistar as pessoas. Começamos a elaborar projetos, que foram sendo aprovados nas esferas municipal, estadual e federal. Em 2004 fizemos um grande projeto e em 2005 fomos reconhecidos como o primeiro terreiro a ser ponto de cultura no país”, relembrou pai Célio. 

O babalorixá informou que no Ponto de Cultura existe uma biblioteca, além de um laboratório de informática para atender a comunidade de forma gratuita e o jornal Odô Iyá, publicado trimestralmente com as ações desenvolvidas no local. “Temos uma parceria com a BiblioSesc e oferecemos atividades que envolvem a capoeira, maculelê, dança, cânticos e percussão de instrumentos afros e ainda, o cine Axé, que acontece toda última sexta-feira do mês, em parceria com as escolas. Oferecemos pipoca e fazemos uma discussão envolvendo a temática afro”, destacou. 

Pai Célio afirmou que essas atividades ajudam a diminuir o preconceito, inclusive relacionado às religiões de matriz africana, além de disseminar o conhecimento e elevar a auto-estima da população negra. Ele destacou o apoio dado pela mídia na divulgação das ações desenvolvidas pelo Ponto de Cultura, lembrando que as discussões sobre a temática afro acontecem o ano inteiro e não apenas no 20 de novembro, quando se comemora o dia da Consciência Negra ou no 13 de maio, data da Abolição da Escravatura.

“Jovens dos bairros do Jacintinho, Poço e da Vila de pescadores do Jaraguá também procuram o Ponto de Cultura. Eles compreendem o que é racismo, levando isso para casa e as mães elogiam nosso trabalho. Esse é o meio encontrado para mostrar à sociedade nossa identidade. Outras Casas de Axé também estão seguindo esse exemplo e já desenvolvem atividades culturais e sociais”, explicou.

A Casa de Iemanjá – Ponto de Cultura Quilombo Cultural dos Orixás - homenageia representantes da sociedade civil e autoridades com a comenda “Oju Jagun”, os Olhos do Guerreiro. O título é direcionado a personalidades públicas ou anônimas que atuam contra a intolerância religiosa em Alagoas, já que as comunidades tradicionais de terreiros sofrem perseguições desde 1912, período conhecido como o “Quebra do Xangô”, época em que participantes dos cultos eram agredidos e seus artefatos sagrados destruídos no Estado.

Guesb

O Grupo União Espírita Santa Bárbara (Guesb ) é outro local onde as pessoas podem ter acesso à cultura afro e se tornou uma escola de inclusão social, além de fazer parte da rota turística de Maceió e receber visitantes de vários países, entre eles americanos e italianos. Segundo a Ialorixá, Mãe Neide Oyá D'Oxum, o trabalho na comunidade do Village Campestre começou há 16 anos e hoje, também são oferecidos cursos profissionalizantes. No ano passado, um projeto criou uma grife que produz bijuterias e vestuários, conhecidos como indumentárias, que ajuda a manter a ONG.

“No início só atendíamos pessoas da comunidade, mas agora jovens de outros bairros nos procuram. Eles participam da escola e recebem como complemento refeições, oficinas de teatro, percussão, curso de cabeleireiro e corte e costura, de forma gratuita, mas cada um que participa deixa uma peça confeccionada para ser vendida e se transformar em novos materiais. Realizamos também atividades de promoção e saúde com as profissionais do sexo. Uma parceria com a Fundação Palmares permitiu que 380 pessoas passassem a ser atendidas pela ONG. Há cinco anos recebemos o mercado internacional, que ajuda a gerar uma fonte de renda para manter o GUESB”, contou.

Mãe Neide já recebeu a Comenda Zumbi dos Palmares e foi a primeira mulher alagoana a ser homenageada com o Trofeu Palmares, entregue em agosto deste ano no Teatro Nacional de Brasília. A Ialorixá destacou ainda, que independente da religião, qualquer pessoa pode frequentar o Guesb.

“Aqui católicos, evangélicos e pessoas de outras crenças dividem o mesmo espaço, embora a escola profissionalizante seja separada da Casa de Axé. Me sinto representante da cultura afro e isso é o resultado do trabalho de todos que lutam contra a intolerância religiosa e o racismo.  Mas, ainda não atingimos 100% dos nossos objetivos para minimizar as desigualdades, pois temos que cobrar dos governantes. No dia 20 de novembro as ações culminam, mas trabalhamos a confiança da população negra o ano inteiro, fortalecendo os laços do nosso povo”, destacou.

Mais informações sobre os projetos culturais e sociais das Casas de Axé podem ser adquiridas no www.casadeiemanja.com e www.guesb-al.com.

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